Boa parte do efetivo da Polícia Civil e da Brigada Militar (BM) trabalham diariamente para coibir, investigar e responsabilizar criminosos que já estão presos, de cometerem novos crimes de dentro do sistema carcerário. A polícia não revela quais, mas afirma que pelo menos 90% dos 70 homicídios do ano passado e dos 29 deste ano em Santa Maria tiveram relação direta ou indireta com o sistema carcerário e com o tráfico de drogas.
Uma luz no fim do túnel vista pelos órgãos de segurança seria a instalação de bloqueadores de sinal de celular nas principais casas prisionais. Segundo as autoridades, isso ajudaria a dar uma freada nos crimes de estelionato, uma das ocorrências que mais são registradas nas delegacias e também nas ordens para execuções relacionadas ao tráfico de drogas, já que parte das ordens para crimes é feita por presidiários.
Equipamentos para bloquear o sinal de telefones deveriam estar em funcionamento em pelo menos 15 casas prisionais, mas os dois primeiros a serem instalados não funcionaram como deveriam e o Estado não renovou o contrato com a empresa responsável. Uma nova licitação está em planejamento, ainda sem data. Entre as casas prisionais que receberiam o equipamento, está a Penitenciária Estadual de Santa Maria (Pesm), onde estão cerca de 900 apenados. As autoridades locais aguardavam pela tecnologia e lamentam que não tenha funcionado como deveriam.
– Não tenho dúvida de que, se não colocarmos bloqueadores de celulares, se não criarmos obstáculos para a comunicação de criminosos cumprindo pena com seus comparsas, teremos problemas sérios. Infelizmente, o número de homicídios aumentou em Santa Maria, principalmente, graças a ordens emanadas de presos que já estão no sistema prisional – diz o delegado regional da Polícia Civil, Sandro Meinerz.
Segundo ele, há muita tecnologia envolvida hoje em dia no mundo do crime, com os arremessos de celulares para dentro dos presídios e até o uso de drones pelos criminosos. Para agir contra esse tipo de crime, é fundamental impedir a captação de sinal de celular dentro do ambiente prisional.
– Tais medidas são de interesse da Polícia Civil, para que possamos acabar com essa comunicação com o mundo externo. Assim, não mais adiantaria os presos terem celulares. Sem sinal de celular, eles teriam menos comunicação com os seus comparsas e, consequentemente, não poderiam ordenar tão rapidamente crimes no ambiente extramuros – diz Meinerz.
Conforme a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), o Estado tem mais de 100 estabelecimentos ligados ao sistema carcerário. Há 82 presídios ou penitenciárias para cumprimento de penas em regime fechado, 17 para regime semiaberto, dois hospitais, um instituto psiquiátrico, um centro de triagem e nove institutos penais de monitoramento eletrônico.
O chefe do Comando Regional de Policiamento Ostensivo (CRPO) Central da Brigada Militar, coronel Cleberson Braida Bastianello, também afirma ser de fundamental importância a instalação de bloqueadores para a redução de alguns indicadores criminais.
– Nós intensificamos e especializamos patrulhas no entorno das casas prisionais de Santa Maria, em especial a penitenciária, e estamos, a cada dia, fazendo maiores apreensões de quantidade de arremessos, de celulares e drogas para dentro dessas casas prisionais. Consequentemente, a partir da apreensão desses materiais, efetivamente é feita a prisão daquelas pessoas que tentam fazer esses arremessos. Estamos ampliando as nossas ações nesse sentido, mas entendemos como importantíssimo como estratégia de segurança, a colocação de bloqueador de celular – diz.
Homicídios
O delegado Marcelo Mendes Arigony, titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), afirma que quase todos os assassinados da cidade já foram elucidados e que grande parte tem ligação com o sistema carcerário.
– A grande maioria dos homicídios tem ligação com o sistema prisional, e muitos deles têm o celular como instrumento. Muitas vezes, a gente cumpre mandados de busca na penitenciária e encontra esses aparelhos. A partir desses celulares é que, às vezes, são dadas as ordens para as mortes que ocorrem aqui fora e também para outros crimes. A grande maioria deles relacionados ao tráfico de droga e as disputas de poder entre as facções – informa.
Instalação dos aparelhos iria custar R$ 61 milhões por ano
Em dezembro de 2022, após a instalação, Secretaria de Justiça e Sistema Penal e Socioeducativo (SJSPS) colocou em funcionamento os dois primeiros dos 15 sistemas de bloqueadores de sinal de celular e drones anunciados pelo programa Avançar na Segurança. Equipamentos foram instalados na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc), e na Penitenciária Estadual de Rio Grande (Perg), mas acabou enfrentando problemas e não funcionaram como deveriam.
Segundo o governo, a tecnologia custaria R$ 61 milhões por ano. Um cronograma de instalação chegou a ser elaborado e previa a instalação nas 15 maiores casas prisionais do Estado ao longo de 2023. A empresa foi contratada sem licitação, pois nenhuma outra empresa tinha a tecnologia solicitada. O contrato não foi renovado.
Informações extraoficiais e até mesmo de pessoas ligadas a segurança pública são de que após a instalação do bloqueador na Pasc, um grupo criminoso teria instalado em uma casa próxima um outro equipamento que corta ou bloqueia o sinal do bloqueador e isso teria causado problema ao sistema da empresa terceirizada.
A reportagem tentou contato com a empresa responsável pela instalação dos equipamentos, mas os números de telefone fornecidos no cadastro não eram da empresa ou estavam desligados.
Um sistema de bloqueio de sinal de telefones foi instalado em 2018 na Penitenciária Estadual de Canoas (Pecan) e segundo a Susepe estaria funcionando perfeitamente. Lá, mesmo tendo acesso a telefones, os apenados não conseguem contato com pessoas de fora, pois o bloqueador de sinal deixam os celulares inoperantes para fazer ligação ou para enviar mensagens por aplicativos de rede social.
Conforme a secretaria, a escolha dos estabelecimentos que receberiam a tecnologia seguiu critérios objetivos sequenciais, sendo estabelecimentos prisionais que não possuem sistema de qualquer tipo de bloqueio de sinal, maior número de presos em regime fechado, e, no mínimo, um sistema de bloqueio por região penitenciária.
A secretaria informou que a tecnologia é implantada por meio de fases. Após a instalação técnica do equipamento, foram feitos testes em diferentes níveis e após um ano de instalação e várias tentativas, foi realizado um teste final em março de 2023, no qual o sistema foi totalmente reprovado.
O contrato com a empresa não foi renovado e a Superintendência dos Serviços Penitenciários já trabalha em uma nova licitação. Para isso, vem elaborando um Termo de Referência, que visa atender 23 unidades prisionais, contemplando cerca de 12 mil presos do regime fechado.
Não houve custos para o Estados, já que o sistema de bloqueio reprovou nos testes e a empresa não entregou o serviço contratado e, por isso, não foi autorizado nenhum tipo de pagamento. Já foram flagrados celulares ingressando com visitantes (nos pertences ou ainda na roupa), em entregas de Sedex, dentre outras.
Ainda segundo a secretaria, mais da metade das casas prisionais do Estado já possui tela de proteção antiarremesso. A secretaria tem um orçamento de que custaria cerca de R$ 2 milhões para colocar tela em toda a área da Penitenciária Estadual de Santa Maria e R$ 500 mil no Presidio Regional de Santa Maria.
Como funciona o bloqueio do sinal
- Os bloqueadores são capazes de emitir um sinal de frequência muito forte, para “congestionar” a frequência utilizado pelas redes móveis de telefonia. Desta forma, os celulares ficam sem sinal e incomunicáveis dentro da área de atuação do dispositivo - algo parecido com o que é feito de forma mais focada nas “armas contra drone”
- Mesmo que o principal uso dos bloqueadores seja para evitar a comunicação entre presidiários, ele também pode ser usado em outros locais. Determinações aprovadas pela Anatel no início de 2023 permitem que eles também operem em portos e aeroportos, áreas de segurança pública e outros
- Em qualquer ocasião, o uso do bloqueador costuma envolver uma quantidade razoável de planejamento, para garantir que o seu funcionamento não seja mais prejudicial que benéfico. Se não for bem ajustado, o produto pode incomodar moradores vizinhos aos presídios, por exemplo
- Além do sinal das conexões de internet, os equipamentos também podem interferir em sinais de GPS, Wi-Fi e radares de autoridades de segurança. Por isso, seu uso é bastante restrito
- Atualmente, os bloqueadores de sinal não podem ser usados por pessoas físicas ou empresas
Fonte: Site Canaltech (canaltech.com.br)